Por Tarcisio Burlandy de Melo 

NFTs são códigos criptográficos únicos e intransferíveis que são registrados em uma blockchain, a mesma tecnologia por trás das criptomoedas como o bitcoin. Esses códigos funcionam como certificados de autenticidade e propriedade de uma obra digital, seja ela uma imagem, um vídeo, um áudio ou um texto. Assim, os NFTs garantem que uma obra digital seja exclusiva e original, mesmo podendo ser copiada infinitamente na internet.

Mas qual é o valor de uma obra digital que pode ser replicada com dois cliques? Os NFTs estão sendo vendidos por valores astronômicos em plataformas online que aceitam criptomoedas como forma de pagamento. Por exemplo, o primeiro tweet da história, publicado pelo CEO do Twitter Jack Dorsey em 2006, foi vendido por US$ 2,9 milhões em março de 2021. Outro caso emblemático foi o da colagem digital do artista Beeple, composta por 5 mil imagens produzidas ao longo de 13 anos, que foi arrematada por US$ 69 milhões na casa de leilões Christie’s.

Os NFTs podem representar qualquer coisa que seja única, como títulos de propriedade, carros, casas e outros produtos, bem como ativos digitais como imagens, documentos, vídeos e tweets.

Sua criação segue padrões específicos em diferentes blockchains. O mais comum é o padrão ERC-721 na blockchain Ethereum, mas há também outros padrões e blockchains que permitem a criação de NFTs.

Sob a perspectiva legal, o ambiente jurídico e regulatório existente não foi projetado para acomodar os ativos digitais, incluindo os NFTs. Por isso, há vários desafios jurídicos relacionados a essa tecnologia.

Um dos principais desafios é a classificação dos NFTs, que depende da natureza do ativo subjacente ao token. Essa classificação pode ter implicações fiscais, contratuais e regulatórias para os envolvidos na criação, comercialização e transferência dos NFTs. Por exemplo, um NFT pode ser considerado como um bem móvel ou imóvel; um título ou valor mobiliário; um direito autoral ou conexo; ou outro tipo de direito ou obrigação.

Outro desafio é o respeito aos direitos de propriedade intelectual sobre os ativos subjacentes aos NFTs. Muitos NFTs contêm metadados que descrevem os ativos correspondentes aos quais eles estão vinculados.

Para muitos NFTs disponíveis hoje, cada ativo subjacente a estes é criado por alguém que possui direitos de propriedade intelectual sobre o ativo e decide quais direitos conceder ao comprador do NFT. No entanto, há casos em que o criador não é o titular dos direitos de propriedade intelectual sobre o ativo subjacente ou não tem autorização para usá-lo ou licenciá-lo. Isso pode gerar conflitos entre o criador do NFT, o comprador e o titular dos direitos de propriedade intelectual sobre o ativo subjacente. Além disso, há questões sobre a extensão dos direitos de propriedade intelectual conferidos pelo NFT ao comprador: ele pode reproduzir, exibir, modificar ou sublicenciar o ativo subjacente? Ele pode usar o ativo subjacente para fins comerciais? Ele pode transferir esses direitos para terceiros? Essas questões devem ser esclarecidas nos termos e condições das plataformas online onde os NFTs são negociados.

Um terceiro desafio é a prevenção à lavagem de dinheiro e ao cumprimento das sanções impostas por alguns países a determinadas pessoas ou entidades. Qual é o valor de uma obra digital que pode ser replicada com dois cliques? É aí que entra a especulação e a lavagem de dinheiro. Os NFTs estão sendo vendidos por valores astronômicos em plataformas online que aceitam criptomoedas como forma de pagamento. Esses valores exorbitantes levantam suspeitas sobre a origem e o destino do dinheiro envolvido nessas transações. Afinal, quem está comprando essas obras digitais e por quê? Uma hipótese é que os NFTs sejam usados como uma forma de lavar dinheiro sujo proveniente de atividades ilícitas ou sonegação fiscal. Como as criptomoedas são difíceis de rastrear e as plataformas online não exigem muita identificação dos compradores e vendedores, os NFTs se tornam uma ferramenta ideal para ocultar ou legitimar recursos ilegais.

Além disso, os NFTs também podem ser usados para manipular o mercado de arte digital e inflacionar os preços das obras. Como não há regulação nem transparência nesse setor, nada impede que um artista crie um NFT para sua própria obra e a compre com outra conta sua usando criptomoedas. Dessa forma, ele cria uma falsa demanda e valoriza sua obra artificialmente.

Um quarto desafio é a garantia da segurança cibernética dos NFTs e dos dados associados a eles. Os NFTs dependem da segurança e da confiabilidade das blockchains onde são registrados. No entanto, há riscos de ataques hackers, falhas técnicas ou perda de acesso aos tokens por esquecimento ou roubo das chaves privadas dos usuários. Além disso, há o problema da persistência dos dados associados aos NFTs.

Muitos NFTs contêm um código que aponta para um arquivo digital hospedado em um servidor externo à blockchain, como o IPFS (InterPlanetary File System). Se esse arquivo for alterado, excluído ou indisponível por qualquer motivo, o NFT pode perder seu valor ou sua funcionalidade.

Como se pode ver, os NFTs apresentam uma série de desafios jurídicos que ainda não foram totalmente resolvidos. Por isso, é importante que os interessados em criar, comercializar ou adquirir NFTs estejam atentos às implicações legais e regulatórias dessa nova classe de ativos digitais.